Há mil anos os judeus já viviam em Speyer,
um dos principais centros judaicos da Idade Média. No
progrom de 1938, a sinagoga local foi destruída pelos
nazistas. Agora a cidade ganhou um novo templo.
"Estamos de novo aqui e não queremos nos esconder de
ninguém", diz Daniel Nemirovski. O diretor
administrativo da Comunidade Judaica da
Renânia-Palatinado, responsável pelos 650 judeus que
vivem em Speyer e arredores, aponta para a nova
sinagoga da cidade. Ela fica próxima à estação
ferroviária central, onde até 1991 ficava a
fundação católica São Guido. Depois que esta fechou
suas portas, o mesmo acabou acontecendo com a igreja ao
lado. Naquele mesmo ano, judeus recém-chegados a
Speyer fundavam sua associação cultural. Para eles, o
arquiteto Alfred Jacoby, especialista em sinagogas,
transformou a igreja abandonada num templo judaico.
Jacoby achou "especialmente interessante" implantar a
cultura judaica no local. "Meu projeto cria uma
relação com a história cristã de Speyer", diz
ele.
Semana passada, a nova sinagoga de Speyer foi
inaugurada com a presença do presidente alemão,
Christian Wulff. A data escolhida lembra a noite do
progrom de 1938, quando sinagogas foram incendiadas por
adeptos do nazismo em toda a Alemanha. Também o templo
de Speyer foi destruído naquela noite. A cidade de
Speyer tem importância histórica para os judeus
europeus, que já viviam no local há mais de mil anos.
Nos séculos 11 e 13, eles foram os grandes
responsáveis pelo crescimento da cidade, chamada
então de Jerusalém do Reno e que foi também um
importante centro de ensino religioso judaico. A
localização da nova sinagoga colocou a comunidade
judaica frente a um problema teológico. "Supunhamos
que aqui havia antigas sepulturas", explica Nemirovski.
"Antigamente era comum entre os cristãos enterrar seus
mortos diretamente ao lado da igreja", diz o rabino
Zeev-Wolf Rubins, responsável pela comunidade
religiosa de Speyer.
"Eu me preocupei com os kohanim", diz ele. Esses
sacerdotes realizam serviços especiais nas sinagogas e
devem se manter puros e distantes dos mortos. Por isso
não podem entrar em cemitérios, nem mesmo judaicos.
Eles próprios são enterrados em campos especiais.
Depois de cuidadosas avaliações, o caminho que leva
à sinagoga foi declarado como sendo kosher, já que as
sepulturas foram localizadas e removidas. Antes da
inauguração da sinagoga, os judeus de Speyer vinham
usando um prédio de escritórios da cidade, que
pertence à comunidade, como local de orações.
"Encontrávamo-nos lá duas vezes ao mês, às
sextas-feiras à noite e aos sábados. Em dois sábados
as orações eram feitas em Ludwigshafen", relata o
vice-diretor Georgij Aschkenasi. Segundo ele, poucos
entre os 80 membros da comunidade comparecem aos
rituais religiosos. "Muitos homens entre nós estão
idosos e doentes. O rabino Rubins os visita toda
quinta-feira e em alguns feriados judaicos", conta
Aschkenasi. Ele espera que, com a nova sinagoga, seja
possível um "minian", ou seja, dez homens judeus,
maiores, para um culto religioso ortodoxo.
Também a “Associação da Comunidade Judaica de
Speyer” gostaria de celebrar seus cultos religiosos
na nova sinagoga. A presidente Juliana Korovai lembra
que já em 1998 a associação pretendia levar adiante
um projeto semelhante de construção de uma sinagoga.
"Esperamos muito que esta sinagoga fique aberta para
nós. Temos diferenças em questões religiosas. Não
consideramos a comunidade como sendo suficientemente
religiosa", observa ela. Peter Waldmann, diretor
estadual da Comunidade Judaica da Renânia-Palatinado,
fala, ao contrário, da "Comunidade Abstrata de
Korovai", que ele "nunca pôde visitar". O diretor
administrativo Nemirovski acentua, contudo, que a
sinagoga está aberta para todos os judeus que queiram
orar – e a todos que queiram participar de atividades
comunitárias, também aos não-judeus. Como símbolo
da reconciliação, o novo templo judaico deverá
receber o nome de Beith Shalom. As palavras em hebraico
significam algo como "casa da paz". Entretanto,
Nemirovski não pretende disponibilizar à associação
de Korovai espaços próprios na nova sinagoga. A
cidade de Speyer empenha-se, há anos, pela
preservação dos rastros extraordinários da história
judaica. O Museu Judaico, inaugurado em 2010,
tornou-se, ao lado do "Cemitério Judaico" medieval,
uma atração turística. A prefeitura contribuiu com
um terço dos custos de construção da nova sinagoga,
orçada em 3,5 milhões de euros. A comunidade judaica,
que irá mudar sua sede administrativa para o novo
prédio, e o estado da Renânia-Palatinado,
contribuíram com os dois outros terços.
Entretanto, não é apenas esta nova sinagoga que
traz esperança aos judeus de Speyer em relação ao
futuro. Ali está também uma história judaica
especial, que se reflete nas ruínas da antiga
sinagoga, destruída pelos nazistas em 1938. Ali está
também a mikvá, o ritual do banho judaico,
completamente preservado, que em breve deverá
recuperar sua função original. Ambos foram
construídos no século XII. No segundo semestre de
2012, Speyer, Mainz e Worms, que eram os centros
judaicos mais importantes na Alemanha durante a Idade
Média, irão se candidatar, com sua herança judaica,
a patrimônio cultural da humanidade pela Unesco. Isso
faz com que todos os moradores de Speyer se sintam um
pouco orgulhosos. Eles esperam que essa iniciativa não
seja prejudicada por uma briga interna dentro da
comunidade judaica.
Texto: Igal Avidan
Revisão: Alexandre Schossler
FONTE: JORNAL ALEF EDIÇÃO #
1.598