A origem judaica do agora eleito governador do
Rio Grande do Sul, Tarso Genro, dificilmente é posta
em evidência, à exceção, naturalmente, dos sites
antissemitas, que o tomam como exemplo para suas mentes
paranóicas e racistas, de que "os judeus controlam
tudo". A mãe de Tarso, cujo sobrenome de solteira era
Herz (o mesmo, aliás, da família proprietária da
Livraria Cultura), é judia, e, para a religião
judaica, a definição da identidade israelita ocorre
pelo lado da progenitora. É evidente que, em se
tratando Tarso de um político brasileiro, e ainda mais
do PT, compreende-se que o mesmo não saia decantando
aos quatro cantos a sua condição judaica (que, quer
queira, quer não queira, ele tem, para todos os
efeitos), diante da impopularidade que o alardeamento
desta condição poderia acarretar, considerando-se o
enorme eleitorado que é visado em uma eleição
majoritária como a que estava pleiteando, e tendo-se
em conta as especificidades do eleitorado gaúcho
(embora eu ache que não seria fato a ser escondido,
mas, ao contrário, motivo de orgulho).
Entretanto, procurando notícias
acerca do relacionamento de Tarso com a comunidade
judaica, Israel etc encontrei informações de
encontros protocolares com representantes de
organizações comunitárias, nos quais,
consabidamente, foi "servido" o blá blá blá normal
dos políticos, que não querem ficar mal com ninguém,
por razões óbvias. Mas, entrando no site do próprio Tarso, para ver se ele
fazia alguma referência quanto a suas origens,
encontrei um texto que particularmente não me deu uma
boa impressão, pois parece nitidamente um artigo
escrito por algum revisionista neonazista alemão. Toma
as supostas afirmações de Carl (Herz, como Tarso, por
sinal), que teria sido prefeito de uma cidade alemã,
eleito pelo SPD (Partido Social-Democrata, de viés
marxista moderado e parlamentar) e enxotado do cargo
pelos nazistas. Pois no tal artigo consta que Carl -
que, por sinal, teria conseguido escapar do Holocausto,
indo para a Inglaterra e morrendo em Israel -, haveria
afirmado que os judeus também tiveram culpa pelo seu
sinistro destino, pois comerciantes de gado desta etnia
explorariam os seus fornecedores (vendedores estes cujo
nome sequer foi apontado pelo suposto acusador).
Ou seja, o tal texto é mais um daqueles panfletos
odiosos que destilam a velha versão de que a morte dos
judeus pelos alemães era justificada, pois eles
"provocaram", deram "motivo" para o extermínio. E,
neste ínterim, nada melhor e mais apropriado para um
neonazista (espécie que "normalmente" era sempre de
direita, mas vem encontrando seus "similares" na
esquerda radical, por incrível que pareça) que a
assertiva saia da boca de um judeu. Ora, como é que a
suposta atitude particular de uma pessoa (que,
repise-se, sequer é identificada individualmente pelo
acusador) pode justificar uma política bárbara como o
Holocausto, que foi o maior crime da história da
humanidade, o aniquilamento de uma etnia inteira, a sua
erradicação? Digamos, por amor ao argumento, que se o
tal Carl achasse que alguém - judeu como ele - havia
cometido uma exploração econômica em relação a
alguém, deveria ser ele "justiçado" com a pena de
morte? E com relação aos demais judeus, que não
tiveram naturalmente nada a ver com o tal suposto
explorador, e que sequer o conheciam, e nem moravam no
mesmo país, mereciam ser mortos pela atitude de um
desconhecido? Não sei se o governador eleito está a
par do texto constante de seu site, pois, como a gente
bem sabe, muitas vezes cabe a algum assessor cuidar
destes assuntos, sem que o "candidato" saiba exatamente
o que é publicado.
Mas acho que seria de bom tom se ele retirasse aquelas
mal traçadas linhas do arquivo de seu site, pois não
é exatamente o tipo de coisa admissível, ainda mais
considerando-se que Tarso tem uma longa trajetória
como humanista, como lutador pelos direitos da pessoa
(ainda mais que, tal como se crê, a partir de sua
conduta mais recente, deve ter abandonado o
marxismo-leninismo, pelo menos em seu viés mais
autoritário, optando por uma visão de esquerda que
valoriza a democracia como elemento fundamental).
Aliás, mesmo que Tarso não fosse judeu, mas apenas um
humanista compromissado com os princípios da
liberdade, fraternidade e igualdade, sacralizados pela
Revolução Francesa, pela lógica de sua trajetória,
creio que não assinaria embaixo do tal texto.
Apesar de que, a bem da verdade, não vi ou ouvi
qualquer manifestação de Tarso contra a odiosa
aproximação de Lula com o presidente do Irã (posso
estar enganado a respeito, e se estiver, gostaria de
ser informado), um notório antissemita e negador do
Holocausto, que vive ameaçando de aniquilação ao
Estado de Israel (curiosamente, dois políticos bem
ligados a Tarso, e que são do PT, fizeram críticas a
esta aproximação, se não me engano foram o Adão
Villaverde, que antigamente foi da Democracia
Socialista de Raul Pont, mas depois virou "moderado", e
o ex-deputado Marcos Rolim, este sempre aliado de
Tarso, desde Santa Maria). A propósito, a candidata à
Presidência Dilma Roussef, que teve uma postura muito
simpática em um encontro com os representantes da
Conib, tendo inclusive aventado a possibilidade de uma
de suas avós ser judia (na verdade, cristã-nova, em
face do sobrenome "Coimbra"), não deu qualquer
indicativo de que, se eleita, mudará a política
externa brasileira com relação a esta desastrosa
aproximação com o títere persa, vinculação esta
que faz, sem dúvida, tábula rasa de todos os
princípios democráticos e humanistas que, ao menos no
papel, são auto-proclamados como patrimônio das
esquerdas hoje em atividade.
Rogério Ratner, escritor
Fonte : JORNAL ALEF EDIÇÃO # 1.504